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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

De battre mon coeur s'est arrêté (2005)

Porque a realidade é uma constante da vida.



Um cirúrgico corte com a utopia.
Foi esta a forma que Jacques Audiard encontrou para nos mostrar o lado mais cru do novo cinema francês: sem pudor nem rodeios, face a face com a intolerável consciência do ser, decantando da quimera da vida o seu sustento etéreo: o sonho.

O corte com a realidade não é completamente acessível - e muito menos acessório - assumindo, mais do que a essência do enredo, uma nouvelle vague no cinema de autor produzido em França. Ressuscitando o legado de Truffaut e Godard, desprende-se lentamente do rótulo lírico que lhe fora atribuído, rebuscando tanto a frieza e a amoralidade das personagens como a dureza dos planos e dos diálogos; e isto sem nunca cair no domínio do facilitismo.
Mas adiantando: "De tanto bater o meu coração parou" não é uma obra linear em termos de emoções. Thomas Seyr (um Romain Duris deveras autêntico) representa para Audiard uma espécie de paradigma emocional, contrabalançando a violência que exterioriza no trabalho com a perseverança do desejo de se tornar pianista; e é na relação com o seu próprio pai (Niels Arestrup) que estas características se denotam mais vincadas - ainda que não de forma implícita, longe do piano que aqui representa pouco mais que um adereço -. Essa verdadeira montanha russa de emoções confere-lhe então uma beleza gélida, um rigor mortis num corpo vivo, um triunfo de habilidade. E no centro desse périplo existe então o contrapunctus sob a perspectiva de que a vida pode ser também ela linear, o que em boa verdade - na verdade dos que sonham - é impossível.
Será também pela relação com o pai, e porque eminentemente desejamos que nos seja perpetuada essa relação, que admitirá o seu derradeiro acto de redenção, delimitando o espaço que existe entre o sonho e a realidade pelas suas próprias mãos. Continuará perto do sonho do piano mesmo quando o abandona, abdicando ao sol, tornando-se rei de si próprio. Mas não do seu interior.

É a perspectiva derrotista da vida que se impõe nesta obra. Pela forma como o sonho é renegado e inoculado do ser - o derradeiro corte com a utopia -, subsistindo um objecto cadavérico que vive movido a éter, a nada, a coisa alguma. Como pode um coração continuar a bater exteriorizado do seu combustível? Como pode alguém mover-se sem sonhar? A forma inteligível como se apresenta a hipótese do corte com o grande sonho é uma magnífica proeza de Audiard, tão dura quanto bela e, quem sabe, possível. Porque apesar de tudo a realidade sem o sonho permanece nua, sem capacidade de se mover.
Sem o dom de viver. A vida não é linear.

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