Pesquisar neste blogue

domingo, 28 de março de 2010

Reduzido

Ainda na senda das curtas-metragens, Bomb do realizador australiano Alister Grierson, foi uma das mais audazes produções apresentadas no TropFest 2005. Apesar de não ter vencido foi um dos dignos finalistas, levando ao reconhecimento do seu realizador pelo próprio James Cameron, de sucessos de bilheteira como Avatar ou Titanic.



Quando pensamos que tudo nos corre mal há sempre algo que ainda pode piorar. Dá que pensar.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Code Inconnu (2000)

Uma bandeira não é um país.
Uma avenida. A coluna vertebral de uma cidade é por norma o centro nevrálgico da sua actividade, local onde todos os dias milhares de pessoas se cruzam - manobra do acaso, de um conjunto de razões que as levaram a esse momento, whatever - garantindo o ideal de uma "aldeia global" intacto. E essa é a extrapolação de que vivemos numa gigantesca Torre de Babel, é um facto, em que a mistura de culturas parece, não inevitável, mas necessária. Compreender as diferenças e encontrar a igualdade é o mote.
Também neste Récit incomplet de divers voyages, subtítulo de "Código Desconhecido", do inevitável Michael Haneke, encontrar a igualdade na diferença parece ser a constatação evidente de que o acaso não é para aqui chamado. Não, não quando as histórias dos diferentes protagonistas se assumem tão diferentes - mas no fundo tão relacionadas entre si, e isso não é obra da providência. Da mesma forma que os indivíduos que se cruzam numa avenida não se cruzam por acaso. Não. Na sua obra Haneke também não deixa nada ao acaso (por vezes não vemos todas as pontas, mas isso, c'est la vie) e neste caso é o resultado de uma série de histórias e viagens incompletas que cria a sua Torre de Babel, meticulosamente sua, repleta dessas pequenas ligações que poderiam até nem existir e que, repita-se, não são obra de uma qualquer casualidade. Tudo se inicia com um papel amachucado que é atirado para o regaço de uma pedinte, e todas as implicações que essa acção não deliberada terá são no mínimo casualidades. Porquê o antagonismo? Porque simplesmente o papel fora atirado por um jovem, que viria a ser interpelado por um outro jovem (Amadou) de origem africana, que o considerou enquanto um acto de desrespeito. Mediante a intervenção da polícia vimos a descobrir que afinal a pedinte tem um nome, Maria, e que é uma imigrante ilegal a viver em França. E como se não bastasse, Maria é repatriada, Amadou acusado de racismo e o jovem, irmão de um fotógrafo a trabalhar no Kosovo, ignorado pelo pai. É nessa parte da interpretação que a avenida entra, isto é, a coluna vertebral: Anne Laurent, uma actriz interpretada por Juliette Binoche. E como coluna vertebral que é confere todo o sentido à história, conectando os personagens e alagando de vida esta obra, não sendo nem culpada nem injuriada.


O drama da emigração, brilhantemente caracterizado em Maria, é o de tantos outros que partem à procura de algo melhor, à procura de uma vida longe de suas casas e de quem mais amam. O seu código não é desconhecido, tal como não é desconhecido o código utilizado por crianças mudas para comunicar: tudo depende da vontade de quem quer ou não compreendê-lo. Todas as questões morais e ideológicas são colocadas a frio, o que é um hábito em Haneke, não se resumindo às questões de emigração e dos emigrantes - vai ao que de mais profundo existe na alma humana, revolve passado e presente, para nos dar a história do jovem atirador de papéis amachucados. Porque, regra geral, a casa não costuma ser onde está a cabeça mas sim o coração. E esse jovem prefere a cidade ao campo, contrariando o pai. O que o leva a Paris, onde através da namorada do seu irmão percorre a cidade, amachuca um papel e... Aí se percebe a importância de Anne e da sua história mostrada em tom descuidado: ela é a base, a sua história é irrelevante e no entanto faz sentido. Obra do acaso? Não, de um dos grandes mestres do cinema actual. Que depois de construir a sua Babel lhe dá um desfecho muito seu, ao som de - sim, acto único, Haneke presenteia-nos com música na parte final da obra - uma fanfarra pouco comum que nos deixará a cogitar.

É inegavelmente uma obra maior, mais directamente alarmista e menos provocadora, sem nunca cair no melodrama americanizado. Um resumo de histórias que não são as de um país mas sim das pessoas que nele vivem, independentemente da bandeira que carregam. Multiculturalidade numa sociedade pouco aberta ao que é diferente. Acaso?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Somewhere Over the Rainbow

É este o famoso refrão daquela que será provavelmente uma das mais fantásticas bandas sonoras de sempre. Interpretada por Judy Garland no musical de 1939, The Wizard of Oz (ou O Feiticeiro de Oz, na tradução portuguesa), personifica sobretudo a esperança e o sonho sobre um mundo ideal de amor e felicidade. A história é intemporal e conhecida de todos: uma meninda, Dorothy, é transportada por um tornado até um mundo de fantasia onde bruxas, leões cobardes, espantalhos falantes e homens de lata são apenas o princípio.
Realizado por Victor Fleming, este marco do cinema mundial, comemorou em 2009 o seu 70º aniversário com o lançamento de uma versão restaurada em DVD.

Ocupa o 10º lugar da lista da American Film Institute para os melhores filmes de sempre.



segunda-feira, 22 de março de 2010

Cinema curto.

Rápido e eficaz. Nunca o sentido da expressão teve tanto significado como na era em que o YouTube, o Twitter ou o Facebook nos conduzem a uma minimização do tempo. Rápido. E que assim nos satisfazem, informam ou nos dão a conhecer. Eficaz.

É então nessa vertente do YouTube que as curtas (metragens) começam agora a ganhar mais importância: desde logo a criação de festivais internacionais como o TropFest em Sydney (Austrália), que ganha agora forma com mais uma edição em New York (inevitavelmente). Por cá é o Festival Internacional de Curtas, sediado em Vila do Conde, quem dá o mote, indo já na sua 18ª edição.
A curta apresentada, Mankind is no Island, foi a vencedora da primeira edição deste festival em NY 2008. A mensagem sobre a forma como tratamos os sem-abrigo é passada pelo realizador Jason van Genderen de forma, embora subliminar, muito curiosa.
Também curiosamente esta curta foi produzida com um valor estimado de 40€, sendo integralmente filmada com um telemóvel nas cidades de Sydney e New York. Porque nem só de avatares vive o cinema.




Mais informação sobre estes festivais em:

http://www.tropfest.com/

http://www.curtasmetragens.pt/

sexta-feira, 19 de março de 2010

Qual o melhor?

Ordenar qualitativamente e descobrir qual o melhor. Esta parece ser uma das obsessões mais naturais inerentes ao homo sapiens nos dias de hoje, estendendo-se praticamente a todas as áreas inteligíveis. Como não podia deixar de ser, também o cinema faz parte dessa lista. O American Film Institute decidiu assim publicar no seu site os 100 melhores filmes de sempre, votados por críticos e realizadores - por muito relativo ou pessoal que isso seja. (No entanto, quando muitos dizem o mesmo...)

Será assim que o Top 10 da AFI irá surgir, neste mesmo espaço, uma obra de cada vez. Mostrando aqueles que podem ser considerados os melhores filmes de sempre, para saciar a curiosidade de muitos. E não, em primeiro lugar não está o Cristiano Ronaldo.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Quando o Oscar perde o brilho.

Embora passadas duas semanas que estão desde a grande noite da Academia, qualquer comentário acerca das famosas estatuetas douradas parece ainda bastante actual. Sejamos directos: falar dos Óscares enquanto indicador de qual o melhor filme do ano revela um tom quase sarcástico; tornaram-se mais uma acção de beneficência para com a Academia (para além de uma mostra de glamour) do que o reconhecimento do verdadeiro mérito.

Que não seja um tópico recente o facto de estes prémios, que são os mais famigerados do mundo, apenas permitirem que a distribuição dos premiados seja facilitada; que seja do conhecimento geral que apenas galvanizam a indústria de Hollywood (com a excepção do Óscar para melhor filme numa língua não-inglesa) não são motivos para fazerem de uma gigantesca manobra publicitária "a gala do cinema". Porque se a matéria prima - o cinema, claro está - é trabalhada por uma indústria cinematográfica que não pode arriscar e que aposta na simplificação dos argumentos para uma maior empatia do público, o resultado não pode ser senão mais do mesmo e em grande quantidade. E isso não é nada positivo.

A edição deste ano tornou-se tão previsível quanto contestada - praticamente todos os favoritos nas diferentes categorias lá receberam a sua estatueta, recaindo a contestação no facto de os favoritos não serem... os correctos. Mas engane-se quem julgar que este poderá ser um sinal dos tempos: foi esta mesma Academia de Artes e Ciências Cinematográficas quem nunca reconheceu Alfred Hitchcock, nem sequer Charles Chaplin, tardou a reconhecer Martin Scorcese e deixou para trás obras como Citizen Kane, apontado por muitos como o melhor filme de sempre, Taxi Driver ou Ranging Bull, filmes que ocupam lugares cimeiros em listas como a da American Film Intitute ou da revista Sight and Sound.
O Óscar perdeu então o seu brilho, dando toda a importância que merecia a festivais como o de Cannes, Veneza ou Berlim. Onde o cinema ainda sobrevive, intacto.

sábado, 13 de março de 2010

Caché (2005)

Até onde vamos para não perdermos coisas?


O início revela-se petulante. Um casal é aterrorizado por uma série de cassetes remetidas para Georges Laurent, apresentador de um programa televisivo de crítica literária e pai de família. Estas cassetes contendo imagens de si próprio e da sua família, captadas secretamente da sua rua, começam por perturbar o ambiente familiar. No entanto o desenrolar é continuamente intrigante, quando desenhos de significado obscuro começam a ser enviados juntamente com material mais pessoal permanecendo o autor desconhecido, começando o ambiente familiar por se tornar angustiante. E de seguida, quase que nos é retirada a história, permanecendo o que de mais visceral existe no ser humano: sem nunca sair da realidade em torno de uma família igual a tantas outras. Nada a Esconder contaria esta história se a história fosse de facto o elemento mais importante no enredo. No entanto somos catapultados para uma parafrenália de emoções, onde somos afogados sem qualquer pudor, relembrando-nos da condição humana adjacente a todos nós.

Porque se considerarmos a obra (geral) de Haneke encontramos desde a exploração da origem da violência à sexualidade reprimida, passando pela formação da personalidade: mas mantendo sempre um background inerente a cada personagem criada, um
plano de fundo que é a razão de todas as coisas, e em Nada a Esconder fá-lo de forma exímia e sobretudo intrigante.

Engane-se pois quem procurar os culpados pela história - acabamos a procurar o culpado mesmo quando nos é mostrado de forma explícita - existem sim culpas ocultas, e a forma como pequenas mentiras são contadas com um propósito maior. Daí a distância a que o mainstream é colocado de Haneke: enquanto a história das cassetes acaba por permanecer irresoluta, a história das personagens e de Georges (Daniel Auteuil) é bastante clara. Porque a forma como cada um lida com a culpa é diferente e se, ao optarmos por um caminho, filosoficamente seguimos esse mesmo caminho - por mais que o recusemos. E a personagem de Georges tende a seguir essa linha (desconhecida do espectador), que inexoravelmente o persegue. Uma linha marcada pela culpa de ter transformado a vida de um jovem Majid (Maurice Bénichou) num autêntico inferno, a qual é recusada através de pequenas mentiras à sua mulher Anne (Juliette Binoche). Também o realizador decide seguir um caminho com a sua história, criando o seu estilo marcadamente filme após filme, alterando de certa forma a história do próprio cinema.


É pela forma como Haneke analisa de forma fria e psicológica o dilema moral, destilando todo o mal-estar que se acerca do medo mas sobretudo pela negligência dos padrões convencionais que este é um dos seus maiores triunfos. Mesmo depois de terminada a narrativa (com um plano aberto esplendoroso) deixa o espectador a cogitar, tornando a experiência mais abrangente do que o normal. Porque a cobardia não se pode esconder através das máscaras que a intelectualidade parece oferecer, resistindo através de um instinto de sobrevivência que nos leva a fazer qualquer coisa para não perdermos aquilo que nos pertence.

quarta-feira, 10 de março de 2010

E Deus criou a mulher.


Como não podia deixar de ser celebramos o Dia Internacional da Mulher, 8 de Março 2010. Porque sem elas a vida, o cinema, o amor (enquanto meros exemplos) não fariam sentido. Recorde-se que o cinema já retratou muitas das mulheres mais importantes da História (
Cleopatra (1963), Evita (1996) ou Frida (2002) são alguns dos exemplos de referência neste capítulo), da mesma forma que muitas outras, que viriam a tornar-se verdadeiros mitos , contribuíram para o enriquecimento da 7ª arte. Para mais com Kathryn Biglow a alterar o género do Oscar de Melhor Realizador(a), tornando-se na 1ª mulher a vencer esse galardão.

(A beleza é universal. Ingrid Bergman, 1915-1982)

terça-feira, 2 de março de 2010

La Pianiste (2001)

Cinema em estado cru.


Natural. Se há adjectivo que não faz pleno sentido na análise a um filme este é um dos exemplos mais proeminentes. Para mais quando há realizadores que não pretendem ser naturais nas suas obras, bem pelo contrário - abundam as tentativas experimentalistas, os escapismos surrealistas e as fantasias deliberadas - que irradiam as fronteiras da criatividade. E outros há, que sem sair do panorama meramente realista, expandem a arte até pontos controversos, inovadores ou muito distantes de tudo o que já foi feito. Eis Michael Haneke. Ele que se evidencia precisamente por ser um contestatário do cinema, e, acima de tudo, um realizador controverso. Entenda-se que a expressão "controverso" se refere à sua obra mais sublime, longe de quaisquer malabarismos hollywodianos, que reclama para si "apenas" cinema em estado puro. "A Pianista" é um desses exemplos sublimes: sobretudo pela sua beleza violenta(!) e incomodativa até, mas ainda assim esplêndida - que nos aterroriza sem sair do círculo social, psicológica na sua extensão e que não precisa de chegar a ser física.
Natural não é então o adjectivo adequado na crítica de um filme. Para mais se o cinema se mostrar pura ficção (ainda que possa basear-se em factos verídicos), representação de uma realidade exagerada ou por vezes dilacerada. Longe da realidade que todos conhecemos. Não, o cinema não é natural.
Mas regressando à obra propriamente dita: Erika Kohut (Isabelle Huppert numa interpretação que lhe valeu o galardão de Melhor Interpretação Feminina em Cannes) é uma professora de piano que aos trinta e muitos anos vive com a mãe, autoritária e protectora. Que recorre a filmes pornográficos para sentir prazer e que, isolada, reflecte nos seus alunos a sua busca pela perfeição interior. E se este ambiente só por si surge bastante sórdido, tudo piora quando um jovem,Walter Klemmer (Benoit Magimel, também ele vencedor da Melhor Interpretação Masculina no Festival de Cannes), se apaixona pela senhora da vida obsoleta, a qual lhe revela os seus desejos mais obscuros e perversos de sadomasoquismo. À imagem de uma sociedade que por mais que se diga evoluída, mantém uma mentalidade que é posta à prova todos os dias, pela modernidade. À imagem de uma sociedade que embora modernizada permite que uma mulher seja sexualmente reprimida e se veja humilhada por isso. E por este plano, a crueza das imagens (dos encontros entre ambos) assume um confronto de estigmas e mentalidades, quase como uma revelação de que aquela não é uma realidade exagerada. De que aquela realidade, ainda que protegidos dela, é natural.

No pináculo da sua loucura Robert Schumann terá, algum tempo após o incidente que o levou a perder um dos dedos da mão, atingindo um momento de pura sapiência demente. Sob a aura da sua genialidade e encontrando o crepúsculo da loucura, concebeu intimamente qual o seu estado - infelizmente demasiado louco a partir desse momento para que o pudesse revelar, viria a perecer. Erika revela-nos também a determinada altura que Schumann e Schubert são os seus compositores favoritos, o que automaticamente não parece fazer muito sentido, servindo de uma informação acessória. No entanto, quando inicia juntamente com Walter uma perigosa viagem até aos limites da sanidade, e lhe entrega uma carta reveladora dos seus desejos mais íntimos toda esta informação volta reveladoramente a fazer sentido. E mérito de Haneke por nos mostrar sem pudor (deveria ter?) essa jornada através de uma forma muito sua, com cenas de longa duração e de um único shot, incomodando e provocando simultâneamente. O que parece retirar do actores toda a sua capacidade visceral (e que, parafraseando, nos revolve as vísceras) para um desempenho mais realista. Porque é de realidade que se trata, ainda que de crua, mas quase natural.
Baseado no livro de Elfriede Jelinek, Die Klavierspielerin, esta é uma das obras mais marcantes de Michael Haneke, pela forma singular de adaptar o argumento e lhe conferir o poder de uma verdade que o espectador não gosta de ver, de apontar um jogo claustrofóbico em que somos obrigados a compreender mais os personagens do que a conhece-los.