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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Lawrence of Arabia (1962)

De um outro tempo.


O deserto. Depositário de elementar dimensão, obstinadamente e acima de tudo, deserto.
Símbolo da derradeira negação do tempo e, de certa forma, uma metáfora do próprio destino: incerto, inflexível, imprevisível.
É essa a sua antítese.

A beleza enquanto experiência de um processo cognitivo, sensorial ou supra-sensorial da percepção de determinados elementos, assume por vezes a responsabilidade da demência humana - a impossibilidade de abarcar ou compreender algo de proporções gigantescas revela assim a face desproporcional do mundo. É então essa a contradição do deserto, impossível de compreender na totalidade, rogando pela sua contínua solidão.
T. E. Lawrence é então o expoente máximo da obsessão por tal beleza inebriante, pela experiência metafísica do Homem no mundo - tão letal quanto o próprio deserto. Da mesma forma Lawrence permanece isolado enquanto semblante da hipercomplexidade, remetido para um mundo muito próprio - por vezes a loucura depende da incompreensão de quem rodeia.

Peter O'Toole revisita a personagem histórica e encarna-a de forma quase perfeita dando-nos a conhecer a luta que travou aquele que seria conhecido como "Lawrence da Arábia" - não apenas pela independência da Arábia, mas também a sua luta interior pelo desejo anti-heróico que carregava. E é através desta luta que se depreende um ser incompreendido, extasiado e irado pelo seu amor ao deserto, numa relação de verdadeiro amor-ódio que nos é transmitida de forma exemplar pela interpretação magistral de O'Toole - mais do que profundos olhos azuis, este senhor da sétima arte faz com que acreditemos na sua (in)sanidade - "There is only the desert for you", ser-lhe-à dito como uma sentença nos momentos finais.
De toda essa profusão de sentimentos o realizador David Lean explora ainda a faceta mais obscura da alma de um homem - pelo gosto em ceifar vidas, reiterando em parte a negra sombra que atormentava Lawrence - num tom mais experimentalista e de maior complexidade psicológica.

Nothing is written. Tal como um deserto, o destino é maleável - pode e deve ser escrito.
Lean provavelmente não terá entregue o seu projecto a mãos deterministas, revelando uma capacidade inaudita para contar uma bela história sem redundâncias ou falsas ilusões - veja-se a cena da tomada de Aqaba, uma das mais impressionantes de toda a história do cinema - tacteando todo o domínio psicológico cuidadosamente. De referenciar ainda os planos magníficos, de extremo cuidado e dotados de enorme inteligência, obra de puro conhecimento.

Para nos recordar que o nosso coração pertence a algum lugar; que cada lugar nos cativa de forma diferente e que dele somos cativos, sem capacidade para argumentação - afinal o deserto deseja permanecer deserto.
A nossa casa será onde o nosso coração se encontra, tal como nos velhos filmes. E que bom é apreciar obras de um outro tempo.

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