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sábado, 13 de março de 2010

Caché (2005)

Até onde vamos para não perdermos coisas?


O início revela-se petulante. Um casal é aterrorizado por uma série de cassetes remetidas para Georges Laurent, apresentador de um programa televisivo de crítica literária e pai de família. Estas cassetes contendo imagens de si próprio e da sua família, captadas secretamente da sua rua, começam por perturbar o ambiente familiar. No entanto o desenrolar é continuamente intrigante, quando desenhos de significado obscuro começam a ser enviados juntamente com material mais pessoal permanecendo o autor desconhecido, começando o ambiente familiar por se tornar angustiante. E de seguida, quase que nos é retirada a história, permanecendo o que de mais visceral existe no ser humano: sem nunca sair da realidade em torno de uma família igual a tantas outras. Nada a Esconder contaria esta história se a história fosse de facto o elemento mais importante no enredo. No entanto somos catapultados para uma parafrenália de emoções, onde somos afogados sem qualquer pudor, relembrando-nos da condição humana adjacente a todos nós.

Porque se considerarmos a obra (geral) de Haneke encontramos desde a exploração da origem da violência à sexualidade reprimida, passando pela formação da personalidade: mas mantendo sempre um background inerente a cada personagem criada, um
plano de fundo que é a razão de todas as coisas, e em Nada a Esconder fá-lo de forma exímia e sobretudo intrigante.

Engane-se pois quem procurar os culpados pela história - acabamos a procurar o culpado mesmo quando nos é mostrado de forma explícita - existem sim culpas ocultas, e a forma como pequenas mentiras são contadas com um propósito maior. Daí a distância a que o mainstream é colocado de Haneke: enquanto a história das cassetes acaba por permanecer irresoluta, a história das personagens e de Georges (Daniel Auteuil) é bastante clara. Porque a forma como cada um lida com a culpa é diferente e se, ao optarmos por um caminho, filosoficamente seguimos esse mesmo caminho - por mais que o recusemos. E a personagem de Georges tende a seguir essa linha (desconhecida do espectador), que inexoravelmente o persegue. Uma linha marcada pela culpa de ter transformado a vida de um jovem Majid (Maurice Bénichou) num autêntico inferno, a qual é recusada através de pequenas mentiras à sua mulher Anne (Juliette Binoche). Também o realizador decide seguir um caminho com a sua história, criando o seu estilo marcadamente filme após filme, alterando de certa forma a história do próprio cinema.


É pela forma como Haneke analisa de forma fria e psicológica o dilema moral, destilando todo o mal-estar que se acerca do medo mas sobretudo pela negligência dos padrões convencionais que este é um dos seus maiores triunfos. Mesmo depois de terminada a narrativa (com um plano aberto esplendoroso) deixa o espectador a cogitar, tornando a experiência mais abrangente do que o normal. Porque a cobardia não se pode esconder através das máscaras que a intelectualidade parece oferecer, resistindo através de um instinto de sobrevivência que nos leva a fazer qualquer coisa para não perdermos aquilo que nos pertence.

1 comentário:

  1. Por maior que seja a critica, nunca conseguimos esmiuçar a 100% os filmes de Haneke, pois este deixa-nos um final com plano aberto e que cada um interpreta de maneira difirente. E depois de acabar de ver o filme e não perceber o final, o realizador ainda nos diz que sabe quem é o verdadeiro culpado daquilo todos, mas que não diz.
    A estrutura do filme dá-nos a ideia que temos de acreditar que o culpado é quem o protagonista quer que seja.

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